Relatos

Relato de parto de Miguel Narayan, filho de Kalu Brum, nascido em casa, Nova Lima, no dia 20/02/2007

Nunca sonhei em ser mãe, apesar de amar criança. Pensar em ter um filho era algo distante colocado bem lá no fundo do baú de minhas prioridades.
Meu marido, Maurício, quando começamos a namorar há menos de 2 anos, tinha certa aversão à idéia de ser pai. Talvez por ter perdido os seus aos 17 anos de idade. Mas em um momento de nossa relação comecei a sentir a presença de uma criança, que me aparecia em sonho. Não falei para ele, contudo o Maurício também começou a sonhar com nosso filho. Era uma visão estranha começar a me imaginar casada e com filho, isso porque morava em São Paulo, ele em Belo Horizonte. Além disso, estava guardando dinheiro para estudar yoga na Índia. Partiria em fevereiro. Coincidência?


E foi num dia frio, em frente à lareira, do dia 04 de junho, que concebemos Miguel Narayan. Não houve dúvida, nem para mim, nem para meu marido. A confirmação veio 20 dias depois desta data, quando minha menstruação atrasou um dia, coisa que nunca havia acontecido desde que comecei a menstruar.

Com o teste na mão chorei por não saber o que seria da minha vida: meus sonhos, minhas buscas espirituais. Hoje tenho a certeza que vivo a yoga - união- , em todos os momentos da minha vida. Na yoga fazemos do corpo um veículo para atingir Deus. Experimentei a yoga da gestação. Cada deliciosa fase me conectava mais e mais com o meu corpo e fazia dele um tempo de Deus. O tempo, algo que parece ser inesgotável, passou a ser precioso.


Afinal tinha apenas 9 meses para fazer da morada de meu filho uma oportunidade de oferecer o que considerava o melhor. Meditei todos os dias e algumas vezes, podia senti-lo mais forte dentro de mim. Ouvi mantra, música clássica, fiz yoga e natação. Contava para ele do meu dia, dos meus medos, das transformações. Tenho saudades de meu barrigão.


Primeiramente tinha decidido que o bebê deveria nascer em São Paulo. Meu médico que me atendia desde a adolescência estava lá e meu plano de saúde cobria os melhores hospitais. Como jornalista tinha feito uma matéria sobre parto humanizado e uma amiga me falou da Ana Cris e as Amigas do Parto. Naquele momento tomei mais uma vez a pílula vermelha e aos poucos percebi que se não mudasse de médico não poderia vivenciar meu parto da maneira mais natural e fluida possível.


Com 36 semanas de gestação decidi mudar para Belo Horizonte e ter meu filho em casa. Parecia uma grande loucura para todos porque se precisasse de um hospital teria que pagar tudo, sendo que em São Paulo teria os “melhores” hospitais. Dentro de mim havia uma força que me dava segurança de que tudo daria certo e teria um lindo parto domiciliar.

Todos os dias imaginava meu parto bem-sucedido. Não tinha medo da dor e algumas vezes sonhava que no momento do nascimento sentia um grande prazer, um gozo. Todos os dias fazia exercícios para ajudar no parto e conversava com Miguel para que quando estivesse pronto que fosse forte para vencer sua primeira batalha.

Contatei as enfermeiras obstetras de Belo Horizonte. Acabei de decorar o quarto do bebê e me preparei para receber o grande presente de minha vida.


No dia 19 de fevereiro percebi que meu tampão estava saindo. Mas também sabia que isso era apenas um sinal, que o nascimento do Miguel poderia demorar. Naquele dia me sentia diferente. Uma energia incrível tomou conta de mim. Tinha vontade de correr, dançar. Foi o que fiz. Um estado completamente diferente dos dias anteriores que já me sentia cansada. Na madrugada tive contrações sem dor, mas não consegui dormir porque meu corpo tinha tanta energia que não conseguia parar. Vi o sol nascer aqui do quintal que tem uma linda vista para as montanhas. Sentei para meditar e quando retornei havia uma borboleta amarela pousada em meu ventre. Naquele momento senti que a chegada dele estava bem perto.


Às 10h chamei as enfermeiras que vieram tomar um café da manhã conosco. Elas olharam, fizeram a contagem das contrações. Não fizeram toque porque como havia feito o exame de streptococcos e tinha dado positivo (e optei por não tomar antibiótico), preferiram não me tocar e foram embora. As contrações pararam e fui dormir. Sonhei que lindos anjos traziam meu bebê e colocavam no meu seio. Despertei às 15 horas com contrações mais fortes e com uma dorzinha na lombar. Levantei e fui caminhar. Quando as dores ficavam um pouco mais intensas entrava no banho e com uma ducha forte e quente, elas iam embora.
Em casa estava só com o meu marido, no meio do mato, pois moro há 15 quilômetros do centro da cidade. Nada me causava receio. Às 17 horas subi às escadas para tomar banho e colocar uma roupa mais quente. No meio do corredor minha bolsa rompeu. Chamei meu marido que secou o chão e ligou para as enfermeiras. Tinha lido que depois que a bolsa rompia poderia demorar horas até o nascimento. Fui tomar banho e quando abaixei para colocar a calcinha senti uma dor muito forte. Achei que estava com dor de barriga. Sentei no vaso e novamente a dor me arrebatou. Gritei e senti algo girando dentro de mim. Coloquei a mão e senti a cabeça de meu filho.


Meu marido subiu desesperado com os gritos e eu o expulsei de lá. Levantei do vaso e comecei a pensar o que fazer se o neném nascesse sem ter ninguém lá por perto. Por sorte a enfermeira, querida Sybille, chegou. Segurei forte em suas mãos e disse: - A cabeça dele está aqui.

Ela não acreditou e disse para que ficasse tranqüila. Quando olhou viu que a cabeça estava lá. Levou-me do banheiro para o quarto, enquanto meu marido estendia o plástico e levava um banquinho para cima. Ao sair do banheiro, que é todo envidraçado, vi uma linda lua crescente com uma estrelinha embaixo. Meu marido colocou o mantra que havia escolhido para a hora do nascimento: Om Namah Shivaya – eu reverencio Deus que habita meu coração.

Sybille queria que eu sentasse, mas eu queria ficar em pé. Ela disse:
- Na próxima contração faça força e apóie suas mãos no banquinho.


Foi o que fiz, soltei meu corpo e senti a cabeça dele saindo totalmente. A sensação foi um ardor com um grande prazer. Mais uma contração e ele saiu totalmente. Sybille segurou-o, desenrolou o cordão de seu pescoço e me entregou no colo. Sentei e coloquei-o em meu seio. Meu marido estava ao meu lado, segurando minha mão.

Ele mamou ainda conectado e depois que o cordão parou de pulsar, meu marido cortou-o e pegou-o nos braços com os olhos cheios de lágrimas. Eram 17h57. Pouco depois a outra enfermeira chegou, a querida Mirian. Senti uma nova contração e senti minha placenta sair inteirinha. Guardei em um balde para plantar com a árvore da vida de Miguel Narayan. Deitei na cama para me examinarem. Havia tido algumas lacerações que foram costuradas. Enquanto faziam isso, meu bebê mamava com volúpia. Ele nasceu tão forte e grande.
Às 19h30 me levantei, tomei banho enquanto meu marido segurava Miguel. Em seguida dei banho nele, vesti uma linda roupa laranja. Desci as escadas e fiquei aguardando enquanto Sybille e Miriam arrumavam o quarto. Com Miguel nos braços senti-me mais perto de Deus. Como disse Mahatma Gandhi, não existe caminho para a Felicidade, a felicidade é o caminho.

Encontrei a felicidade que buscava não na índia, mas em meu coração. Hoje sei que cada gesto que faço é para servir a um plano maior.

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